Coronavírus e adicional de insalubridade. Profissionais que trabalham na segurança pública

Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas fazer uma análise perfunctória, com o intuito de lançar luz sobre a questão do direito ao adicional de insalubridade para os profissionais que trabalham na segurança pública, nesses tempos de pandemia pelo coronavírus.

O novo coronavírus (covid-19), descoberto em 31.12.2019 na China e que de maneira exponencial se espalha por todo o planeta, já causou milhares de óbitos, e há previsões catastróficas de mais de centenas de milhares de óbitos. Infelizmente. A Organização Mundial de Saúde – OMS, que declarou pandemia pelo novo coronavírus em 11.03.2020, reforça que todos, nesse momento, devem ficar em isolamento social, e que ainda assim não será suficiente para evitar muitas mortes.

Há campanhas de governos para que as pessoas fiquem em casa. Nesse caso, a prevenção, através do isolamento social, é o remédio mais eficaz para evitar a disseminação da doença, que, além de centenas de milhares de mortes, vai também acarretar prejuízo às economias pelo mundo afora.

Contudo, determinados grupos de profissionais, nesse momento, não podem se isolar socialmente, conforme recomendam os organismos de saúde e as próprias autoridades.

Dentre esses profissionais, estão os da segurança pública, policial e bombeiro militares, policial civil e guarda municipal, que, historicamente, são esquecidos pelos governantes e até mesmo pela sociedade. E tanto é assim que, pequenas comparações, demonstram à exaustão que não existe uma preocupação em proteger esta categoria.

Com os presos, por questões “humanitárias”, há uma preocupação, diga-se de passagem pertinente, quando o cumprimento da pena é convertida para prisão domiciliar, protegendo-os da contaminação do vírus; enquanto que com os policiais militares não se vislumbram maiores preocupações, pois estão nas ruas trabalhando, expostos ao vírus, sem equipamento de proteção individual – EPI e sem a respectiva compensação financeira.

Os Tribunais do país, de forma correta, suspenderam o atendimento presencial e audiências, determinando que os seus servidores fiquem em casa; enquanto, com os bombeiros militares não se percebe uma prevenção, visto trabalharem nas ruas expostos ao novo coronavírus, sem a respectiva compensação financeira.

A Assembleia Legislativa do Estado Bahia, demonstrando cautela e preocupação, por exemplo, promoveu pela primeira vez na sua história, em 23.03.2020, uma sessão virtual, com deliberação e votação dos seus deputados; enquanto, com os policiais civis não se percebe nenhuma atitude para proteção da categoria, que continuam trabalhando nas delegacias.

Por sua vez, os trabalhadores da iniciativa privada são incentivados a ficarem isolados em suas casas; enquanto os guardas municipais trabalham nas ruas, expostos e sem equipamentos de proteção, nem o respectivo adicional de insalubridade.

É sabido que os agentes de segurança pública prestam serviços essenciais e que não podem, pela natureza das suas funções, ser prestados de outra forma que não nas ruas, diariamente, expostos aos riscos de contaminação e disseminação.

Nesse momento de crise é importante o controle social exercido pelos profissionais da segurança pública. Esse controle, por exemplo, vai evitar o travamento na rede de saúde ou, pelo menos, evitar que a sociedade, como enxame, invada os hospitais.

A atual situação não é fácil, além de ser muito dolorosa, pois o profissional deve cumprir sua carga horária de trabalho (muitas vezes a extrapola), com todo o cuidado para evitar o contágio, e quando chega em casa, deve manter o distanciamento, a fim de evitar que, caso tenha sido contaminado, não transmita o vírus para seus familiares.

Pois bem. Esses profissionais sabem da importância do seu trabalho e continuam firmes e fortes na proteção da sociedade, verdadeiros heróis, que hoje vivem num ambiente insalubre. Assim, chegamos no ponto central desse texto. Insalubridade em tempos de pandemia pelo coronavírus para profissionais que prestam serviços essenciais para a sociedade.

Insalubre é o ambiente hostil que expõe, acima do normal, em risco à saúde das pessoas que frequentam aquele local. Hoje, lamentavelmente, todo o território mundial é um ambiente insalubre, tanto que os governos fecharam ambientes internos (shoppings) e externos (praias). Todo lugar é passível de contaminação, e não sabemos até quando será.

Portanto, todos os profissionais que estão trabalhando em serviços essenciais, que prestam atendimento a sociedade, estão expostos ao coronavírus, trabalhando em ambiente insalubre.

Todos os profissionais que desempenham atividades insalubres, por lei, têm direito de receberem o adicional de remuneração correspondente.

Constituição Federal garante o recebimento do adicional de insalubridade como um direito social previsto no seu art. , inciso XXII.

Consolidação das Leis Trabalhistas garante aos trabalhadores o pagamento do adicional no art. 192.

O Estatuto dos Policiais Militares da Bahia prevê como direito dos militares o adicional de remuneração para quem desempenha atividades penosas, insalubres ou perigosas, direito previsto no art. 92, inciso V, alínea p.

O Decreto Estadual n. 9.967/2006, da Bahia, disciplina o pagamento do adicional de remuneração para atividades insalubres para os servidores públicos civis, e a Justiça vem entendendo pela sua aplicação também aos servidores militares (STJ, RMS 56.434/BA).

O policial civil baiano tem o direito previsto no art. 86, do Estatuto do Servidor Público do Estado da Bahia.

O adicional de insalubridade para os guardas municipais de Salvador está previsto como direito no art. 96, da Lei Complementar n. 01/1991, do município de Salvador.

Fundamentado nas normas acima, e no princípio da Isonomia – tratamento desigual para os desiguais, entendemos que todos os profissionais da segurança pública, que estão desempenhando suas funções, fazem jus ao recebimento, nesse momento, do adicional de insalubridade no seu grau máximo, o que equivale a 40% dos seus vencimentos básicos.

Agora, desde quando os militares passaram a ter direito de receberem o adicional de remuneração (insalubridade)? E até quando deve ser pago o referido adicional? Entendemos que o pagamento do adicional de remuneração, para os servidores que trabalham em atividades insalubres, deve ser pelo mesmo período que perdurar o estado de emergência em saúde causado pelo coronavírus, que na Bahia teve início com o Decreto n. 19.529/2020, em 16.03.2020, e que regulamentou medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional.

Outra questão crucial. Os governos, tanto no âmbito federal, como os estaduais e municipais, devem garantir a integridade física dos seus servidores; portanto é indispensável o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI), a fim de reduzir os riscos de contaminação dos profissionais que continuam trabalhando, podendo, inclusive, esses profissionais recusarem a assumir as suas funções até que os seus superiores possibilitem, de maneira efetiva, condições seguras para todos. Não é um favor, mas uma obrigação de todo e qualquer empregador, inclusive o estado.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia editou recomendação para que empregadores, entidades e órgãos públicos, dentre os quais o Estado da Bahia e o Município de Salvador, adotem medidas mínimas necessárias para a proteção do trabalhador, reduzindo os riscos à contaminação pelo novo coronavírus.

As recomendações feitas pelo MPT incluem medidas de autocuidado, oferta de álcool gel e pias para higienização das mãos, sugere ainda reorganização dos espaços de trabalho para garantia de afastamento mínimo, afastamento de pessoas que integrem os grupos de risco, fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva.

Importante dizermos ainda, sem fugir do tema, que os profissionais que prestam serviços essenciais, mais que estejam no grupo de risco, devem ser afastados das suas funções. O Ministério da Saúde estabelece como grupos de risco as pessoas idosas, diabéticas, hipertensas e asmáticas, além dos fumantes, ou seja, em outras palavras, os profissionais que tenham 60 anos de idade ou mais, ou ainda qualquer uma das enfermidades mencionadas, têm menores chances de sobreviverem, caso sejam infectados pelo vírus.

Estamos vivenciando, no mundo moderno, uma crise colossal sem precedentes. Em 40 e poucos anos de vida não tinha visto nada parecido, sequer ouvido falar de isolamento social nestas proporções; meus pais, na faixa dos 60 anos, também não vivenciaram nada parecido. Assim, a sociedade necessita, mais do que nunca da força laborativa dos profissionais de segurança pública, como também dos profissionais da área de saúde, e de tantas outras áreas, devendo todos estes profissionais, pelos riscos expostos, receberem o adicional de insalubridade, enquanto perdurar o estado de emergência em saúde causado pelo coronavírus, declarado pelo Estado.

Todos juntos contra o coronavírus. Mas não é justo que uma parcela dessa sociedade esteja exposta aos riscos, em virtude do serviço essencial prestado, e não seja indenizada com o recebimento do adicional de insalubridade, um direito assegurado por lei.

Artigo de autoria de Fabiano Samartin Fernandes, advogado especialista em Ciências Criminais e Direito Militar, mestrando em Criminologia na UDE-Uruguai, coordenador Jurídico do CENAJUR em Salvador desde 2006 e membro do IBCCRIM.